Disputa dos Royalties na Baía de Guanabara: Conciliação, Desigualdades e o Caminho para o Desenvolvimento Regional
- Vinícius Peixoto Gonçalves

- 4 de mai.
- 10 min de leitura
A disputa judicial pelos royalties do petróleo entre municípios da Baía de Guanabara expõe contradições profundas do pacto federativo brasileiro. Enquanto Niterói, Rio de Janeiro e Maricá concentram R$ 7 bilhões anuais em recursos, São Gonçalo, Magé e Guapimirim dividem apenas R$ 400 milhões – uma discrepância que reflete e agrava desigualdades históricas. O processo de conciliação mediado pelo STF surge como oportunidade única para corrigir distorções e promover justiça socioambiental, mas esbarra na resistência de Niterói, cujos argumentos técnicos e jurídicos mostram-se frágeis diante da realidade local.
Nesse contexto, tanto o prefeito do Rio de Janeiro quanto o de Maricá manifestaram-se favoráveis a ceder parte dos royalties para os municípios prejudicados, especialmente São Gonçalo. O prefeito de Maricá, Washington Quaquá, anunciou publicamente que renunciaria a parte dos recursos em favor de São Gonçalo, e o prefeito do Rio, Eduardo Paes, também sinalizou apoio à redistribuição, destacando a necessidade de maior justiça na partilha dos recursos para cidades populosas e carentes
Niterói sustenta que a redistribuição de royalties "afronta a Constituição" e critérios técnicos do IBGE/ANP, alegando que apenas a legislação federal pode definir zonas de produção. No entanto, essa posição ignora três aspectos fundamentais:
Precedentes Jurídicos: No litoral paulista, São Sebastião garantiu revisão de critérios após comprovar impactos ambientais ampliados, mesmo sem alterar leis federais. O STJ já reconheceu que danos ecológicos não respeitam limites cartográficos rígidos.
Dinâmica Hidrológica: Estudos da UFF e do Comitê da Bacia Hidrográfica demonstram que 85% da poluição da Baía de Guanabara origina-se em rios de São Gonçalo, Magé e Guapimirim, enquanto Niterói contribui com apenas 15%. A degradação ambiental é compartilhada, mas os recursos não.
Incoerência Técnica: A nota técnica do IBGE rejeita a analogia com a "sombra de ilha" de São Paulo, mas não explica por que municípios do fundo da baía, que arcam com os custos da poluição, permanecem excluídos da Zona de Produção Principal (ZPP).
A Calculadora de Royalties, que é uma ferramenta de transparência desenvolvida pela UFF e Jain Family Institute, aponta discrepâncias nos repasses, mas Niterói as desconsidera.
Cenário Social Degradado: A Urgência de Recursos
São Gonçalo
a) Saneamento: Apenas 44,7% da população tem coleta de esgoto, e 55,3% do esgoto é despejado in natura na baía (resultado 11).
b) Violência: Apesar de avanços recentes (redução de 57% em roubos de veículos em 2024), a cidade ainda registra altos índices de criminalidade associados à pobreza (resultado 5).
Royalties per capita: Em 2021, cada habitante recebia R$ 31,33, contra R$ 20.012,69 em Maricá.
Magé
a) Água potável: 27,11% da população (61.855 pessoas) não tem acesso à rede de abastecimento (resultado 2).
b) Esgoto: 0% de tratamento, com rios como o Sarapuí contaminando a baía (resultado 11).
Guapimirim
a) Infraestrutura: 5,61% das residências não possuem canalização de água, e 100% do esgoto é despejado sem tratamento (resultado 11).
Por Que um Pacto Beneficiaria Toda a Região
A redistribuição não é apenas uma questão de equidade, mas de inteligência estratégica. Um acordo mediado pelo STF e com a anuência dos recebedores mais ricos e mais beneficiados, sem rancores ou temores em ter suas economias abaladas, mesmo quando há uma evidente sobra de recursos para melhorar a economia regional, geraria evidentes benefícios regionais. Sem ainda um estudo amplo e baseando-se apenas numa observação eivada de evidência socioeconômicas, poderia:
Reduzir Pressões em Niterói e Maricá sobre:
a) Migração: A falta de emprego e serviços em São Gonçalo leva milhares a buscar oportunidades em Niterói, sobrecarregando infraestrutura urbana. Investimentos locais reduziriam esse fluxo.
b) Violência: Melhores condições socioeconômicas diminuiriam a criminalidade intermunicipal, como roubos de carga, o aumento da criminalidade, assaltos e furtos nas áreas nobres e adjacentes de Niterói, etc.
c) Saúde: Hospitais de Niterói atendem pacientes de municípios vizinhos devido à carência de leitos. Principalmente as doenças de doenças derivadas da precariedade de saneamento, água potável, alta complexidade, tratamentos especializados e déficit de recursos transferidos da união pelo cálculo populacional. Mais recursos em São Gonçalo aliviariam essa demanda.
d) Fortalecer a Baía de Guanabara com Saneamento integrado: R$ 1,5 bilhão/ano (potencial dos três municípios) permitiriam universalizar coleta e tratamento de esgoto, combatendo a poluição que afeta todos os municípios.
e) Turismo regional: A recuperação ambiental atrairia investimentos para toda a baía, incluindo Niterói e Maricá. O impacto da renda dos municípios limítrofes também impactaria sobre as oportunidades turísticas de Niterói, do comércio e da rede varejista da cidade.
A Conciliação como Catalisadora do Desenvolvimento
O contexto atual em que se busca essa conciliação tem a chance de romper um ciclo vicioso: somente entre 2017 e 2021 Niterói acumulou R$ 6,3 bilhões em royalties, fez grandes investimentos em infraestrutura e criou um fundo soberano. Já entre 2020 e 2025, Niterói acumulou valores significativos em royalties do petróleo. Segundo dados oficiais, até abril de 2025, o município possui R$ 1.325.778.385,09 acumulados no Fundo de Equalização da Receita (FER), conhecido como Fundo Soberano ou Poupança dos Royalties.
O saldo do fundo cresceu rapidamente nos últimos anos e demonstra por projeções que aumentará mais ainda: em 2020, o fundo já somava R$ 243 milhões; em 2021, ultrapassou R$ 270 milhões; e, em abril de 2025, chegou ao patamar de mais de R$ 1,3 bilhão. Esses valores refletem a política de Niterói de destinar parte dos royalties para uma poupança de longo prazo, garantindo estabilidade fiscal e recursos para gerações futuras. Portanto, até abril de 2025, Niterói acumulou mais de R$ 1,3 bilhão no seu Fundo Soberano, consolidando-se como um dos municípios brasileiros com maior reserva financeira proveniente dos royalties do petróleo.
Já São Gonçalo sobrevive com migalhas (R$ 109 milhões no mesmo período). A conciliação não é sobre "rasgar a Constituição", como alega Niterói, mas sobre atualizar critérios técnicos para refletir realidades ambientais e sociais e considerar que Niterói vai ampliar muito sua receita nesse anos e nos anos vindouros, o que compensaria qualquer redução ou redistribuição em benefício dos mais pobres.
Um pacto federativo justo na Baía de Guanabara não apenas repararia injustiças históricas, mas criaria as bases para um desenvolvimento regional integrado, onde todos os municípios colham os frutos dos recursos naturais que compartilham – e dos riscos que igualmente enfrentam. Como destacou o prefeito de São Gonçalo, Capitão Nelson: "Não queremos ser o patinho feio. Queremos ser parceiros no progresso". A hora de equilibrar a balança é agora.
Ainda temos alguns fatos técnicos que demonstram que a alegação de Niterói enfrenta fragilidades tanto no aspecto jurídico quanto cartográfico, conforme evidenciado pelos precedentes e pela dinâmica ambiental da Baía de Guanabara:
Inconsistência Jurídica com Precedentes
O já amplamente citado e repetido caso de São Sebastião-Ilhabela não é um precedente equivocado, mas depõe similaridades técnica relevantes: a disputa paulista mostrou que revisões técnicas do IBGE/ANP podem alterar critérios de distribuição. Em 2020, o IBGE reconheceu São Sebastião como área de confrontação com campos petrolíferos, permitindo redistribuição de royalties. Niterói, no entanto, insiste em manter critérios ultrapassados, ignorando que a Lei 12.734/2012 prevê ajustes técnicos periódicos para zonas de produção (ZPP).
Em 2022, o STJ já considerou válida a revisão de critérios para incluir municípios afetados por vazamentos, como no Litoral Norte de SP. Niterói nega essa analogia, mas a lógica de "impacto ambiental ampliado" já foi reconhecida judicialmente.
Falha Cartográfica e Geográfica
A configuração da Baía de Guanabara exemplifica e aprofunda essa perspectiva: Niterói alega não estar na "sombra" da ZPP, mas sua posição geográfica (incrustação na entrada da baía) a torna gateway ambiental: qualquer vazamento tende a se espalhar para o interior, afetando São Gonçalo, Magé e Guapimirim e os demais municípios da baía. Dados da UFF mostram que 70% da poluição da baía vem de rios que deságuam nesses municípios, não na costa de Niterói. A tese de Niterói quer nos fazer crer que o mar que banha Niterói não é o mesmo que banha a Baía de Guanabara.
Interpretação Jurídico-Cartográfica da Inclusão de Incrustações Costeiras na Definição de ZPPs
A legislação de royalties (Lei 7.525/1986 e Lei 12.734/2012) estabelece que a definição das Zonas de Produção Principal (ZPPs) deve considerar projeções geodésicas a partir da costa, utilizando linhas ortogonais e paralelas. No entanto, a redação da lei não limita essa projeção a "porções insulares" (ilhas), mas inclui implicitamente formações costeiras complexas, como penínsulas, baías e reentrâncias, que podem funcionar como barreiras naturais ou amplificadores de impactos ambientais.
A inobjetividade na Interpretação da Lei
O Art. 9º da Lei 7.525/1986 determina que o IBGE trate as linhas de projeção dos limites territoriais "segundo a linha geodésica ortogonal à costa ou segundo o paralelo". Contudo, a prática técnica do IBGE/ANP tem ignorado formações como a península de Niterói, que, apesar de não ser uma ilha, cria uma "sombra geográfica" análoga à de Ilhabela (SP), bloqueando a projeção justa de municípios do fundo da Baía de Guanabara (São Gonçalo, Magé, Guapimirim).
Esclarecendo o Precedente de São Sebastião-Ilhabela (SP):
a) Em 2020, o IBGE revisou critérios para incluir São Sebastião na ZPP, reconhecendo que a ilha de Ilhabela projetava uma "sombra" que limitava o acesso do município aos royalties, mesmo sem alterar a legislação federal.
b) Na Baía de Guanabara, Niterói não é uma ilha, mas sua posição geográfica (península na entrada da baía) gera efeito similar: concentra royalties enquanto municípios do fundo arcam com 85% da poluição (dados do Comitê da Bacia Hidrográfica).
O mapa apresentado abaixo ilustra de forma clara como a aplicação rígida das linhas geodésicas ortogonais (vermelha) e paralelas (azul) pela ANP e pelo IBGE resulta no bloqueio da projeção para os municípios do fundo da Baía de Guanabara - São Gonçalo, Magé e Guapimirim.

Essa configuração cartográfica evidencia a fragilidade dos argumentos de Niterói e a inadequação técnica dos critérios atuais:
a) Linha Ortogonal (vermelha): Traçada a partir da costa de Niterói, essa linha funciona, na prática, como uma barreira que impede a projeção dos municípios do fundo da baía para a área de influência dos royalties. Assim, São Gonçalo, Magé e Guapimirim ficam excluídos da Zona de Produção Principal (ZPP), mesmo estando diretamente expostos aos riscos e impactos ambientais das atividades petrolíferas.
b) Linha Paralela (azul): Marca a entrada da baía e reforça o bloqueio cartográfico, consolidando a concentração dos recursos em municípios da entrada (Niterói, Maricá), enquanto os do fundo permanecem marginalizados.
Mitigação de Danos Ambientais e a Necessidade de Revisão
A Lei 12.734/2012 (§ 2º do Art. 42-B) prevê que municípios "afetados por operações de embarque e desembarque" tenham direito a royalties, mas não especifica como critérios geodésicos devem incorporar impactos ambientais cumulativos.
Falha Técnica Atual:
As linhas ortogonais traçadas pelo IBGE (com base no SIRGAS 2000) partem de uma costa simplificada, ignorando:
a) Incrustações costeiras: A península de Niterói altera a hidrodinâmica da baía, direcionando poluentes para o interior.
b) Subsidência e erosão: Dados do Sinageo mostram que a costa de Niterói recua 1,5 m/ano, invalidando projeções estáticas.
A ZPP atual beneficia Niterói, Rio de Janeiro e Maricá, mas exclui São Gonçalo, Magé e Guapimirim, onde:
a) Zero (0%) do esgoto é tratado (Magé e Guapimirim);
b) Rios como o Sarapuí e Iguaçu despejam 90 toneladas/dia de detritos na baía.
A legislação, portanto, permite (e exige) que critérios técnicos sejam atualizados para refletir realidades geográficas e ecológicas, conforme destacado no Art. 9º da Lei 7.525/1986:
"Caberá ao IBGE [...] tratar as linhas de projeção [...] segundo a linha geodésica ortogonal à costa ou segundo o paralelo até o ponto de interseção com os limites da plataforma continental".
Isso implica:
1) Revisão hidrodinâmica: Incluir modelos de dispersão de poluentes na definição de ZPPs, como feito em São Sebastião.
2) Reconhecimento de "sombras costeiras": Penínsulas como Niterói devem ter seu efeito de barreira considerado, mesmo sem serem ilhas.
3) Critério do poluidor-pagador: Municípios que concentram instalações de petróleo (Niterói) devem compensar os que arcam com danos ambientais (São Gonçalo, Magé, Guapimirim).
Barreiras artificiais: O mapa mostra que a linha ortogonal não reflete a dinâmica ambiental e hidrológica da baía, mas sim uma delimitação geodésica arbitrária. Isso distorce a justiça distributiva, pois os municípios do fundo sofrem os maiores impactos ambientais e sociais, mas não são contemplados como beneficiários principais dos royalties.
Equívoco técnico do IBGE/ANP: Ao tratar a península de Niterói como se fosse uma ilha (criando uma “sombra” que impede a projeção dos demais), o critério ignora a própria legislação, que permite considerar incrustações da costa, não apenas porções insulares, na definição das linhas de projeção para ZPPs. O precedente de Ilhabela/São Sebastião (SP) mostra que tais critérios podem e devem ser revistos para contemplar realidades ambientais e sociais semelhantes.
Necessidade de atualização: A legislação dos royalties, ao exigir a mitigação de danos ambientais e a inclusão de municípios afetados, permite (e recomenda) que critérios geodésicos sejam adaptados para incorporar a dinâmica real da baía e não apenas projeções matemáticas estáticas.
Por Que a Lei Permite Essa Interpretação
A legislação não restringe ZPPs a ilhas, mas exige que o IBGE/ANP usem critérios técnicos adequados à realidade geográfica. A persistência em métodos ultrapassados viola o princípio da isenção técnica (Lei 7.525/1986, Art. 9º) e aprofunda injustiças ambientais.
Exemplo Prático:
Se Niterói fosse tratada como uma "incrustação costeira" (análoga a uma ilha), São Gonçalo, Magé e Guapimirim entrariam na ZPP, recebendo recursos para:
1) Universalizar saneamento (hoje, 0% em Magé e Guapimirim);
2) Conter erosão e poluição na Baía de Guanabara.
A mudança não requer nova lei, apenas reconhecimento dos critérios do IBGE/ANP, como já ocorreu em São Sebastião. A omissão técnica atual configura violação ao pacto federativo, pois nega a municípios vulneráveis o direito de mitigar danos causados por atividades econômicas concentradas em vizinhos privilegiados.
Impacto Ambiental Desproporcional
Dano cumulativo: Enquanto Niterói recebe R$ 3,2 bilhões/ano em royalties, São Gonçalo, Magé e Guapimirim sofrem com:
1) Saneamento precário: Apenas 44,7% do esgoto de São Gonçalo é tratado.
2) Poluição hídrica: 90 toneladas de detritos/dia são despejadas na baía, majoritariamente de municípios do fundo.
3) Responsabilidade compartilhada: A Constituição (Art. 225) impõe a todos os entes federados o dever de reparar danos ambientais. Niterói, ao se beneficiar da ZPP, deveria compensar municípios que arcam com os custos da degradação.
Em Resumo
A posição de Niterói é frágil porque juridicamente ignora precedentes do STJ e flexibilidade da legislação federal, cartograficamente desconsidera a dinâmica hidrológica da baía, que amplia danos ambientais nos municípios do fundo e, por fim, a ambientalmente falha em cumprir o princípio do poluidor-pagador, já que usufrui dos royalties sem compensar os custos da degradação que afeta os vizinhos.
Quanto as Inconsistências Cartográficas já apontadas acima, a definição de "Zona de Produção Principal" (ZPP) pela ANP/IBGE parte de um modelo estático de delimitação, que não considera que a hidrodinâmica da Baía, conforme estudos da UFF e do Comitê da Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara mostram que, incontestavelmente, as correntes marítimas transportam poluentes da entrada da baía (onde está Niterói) para o interior, atingindo São Gonçalo, Magé e Guapimirim.
Sobre o critério de "Sombra de Ilha", a nota técnica do IBGE rejeita o conceito de "sombra" para Niterói, mas ignora que 70% dos rios poluidores da baía (como o Rio Sarapuí e o Rio Iguaçu) deságuam em municípios do fundo, não na costa de Niterói.
Além disso, sob o ponto de vista de Zonas de Exclusão Geográfica há que se considerar que a Baía de Guanabara é um sistema semifechado, onde a plataforma continental não se aplica linearmente. A poluição gerada na entrada (Niterói) afeta todo o ecossistema, invalidando a divisão estanque entre “áreas produtoras” e “não produtoras”.
Por todas essas razões é importante que superemos os impasses políticos e egoísmos pessoais, buscando acrescentar uma mais visão humana e com empatia para sofrimento que atinge as populações mais pobres dos municípios atingidos por essa desigualdade.



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